Oração ao tempo

(Foto: Reprodução)

Correr sempre foi a minha vida. Penso que seja a vida de todo jornalista. Corremos contra o furo, contra o relógio, contra o cansaço. Estamos sempre em estado de alerta, não podemos vacilar um único minuto que seja. Ao longo dos meus 23 anos de carreira, é assim que tem sido. Me acostumei tanto com essa situação, que quando está tudo calmo, chego a sentir taquicardia e calafrio – o silêncio que precede a tempestade.

Mas a mesma vida que me fez viver sempre apressada, agora está me obrigando a mudar. Depois de anos fazendo apenas musculação e exercícios aeróbicos, o corpo pediu alongamento. Reequilíbrio. Respiração e pausa. E então o pilates entrou na minha rotina. Pensei que fosse fácil. Para quem fazia agachamento pegando pesado, parecia moleza. Mas não é. Aliás, como tem sido difícil.

“Mais devagar! Respira fundo e depois expiiiira”, orienta a professora. Meu Deus, que coisa demorada, milimétrica. Será que essa gente tem TOC? “Cresce essa coluna, Fabrícia! Alinha a cabeça”, diz ela, enérgica. Caramba, então quer dizer que sou assim tão torta? Que aula que não acaba nunca… Pelo amor de Deus, me liberem logo para voltar para a musculação, pensava eu, nos primeiros dias.

Para piorar minha agonia, meus colegas de turma não eram mais as marombeiras do crossfit ou os maratonistas. Eram pessoas da terceira idade,ou adultos debilitados em função de lesões. Se eu era obrigada a fazer tudo com calma, eles mais ainda. Quase tive um surto nervoso.

Daí fui entendendo que o problema não era o pilates. Era eu. Sempre acostumada a fazer tudo correndo, sem pensar se isso estava me impactando bem ou mal, me acostumei ao modo do piloto automático. Descobri que nem respirar direito eu sabia – me contentava apenas com aquela respiração curtinha, que não oxigena quase nada.

Os colegas também não eram um corpo estranho. Eu é que era. Porque os alunos da terceira idade chegam com uma alegria contagiante para fazer aula. E conversam com você olhando nos seus olhos. Querem, de verdade, saber se está tudo bem na sua vida. Te elogiam, dão conselhos. Os alunos lesionados também te ensinam muito. Te recomendam a ter calma, a exercitar a persistência, a entender que a vida é muito preciosa.

A verdade é que o que começou como tortura chinesa, hoje é um grande prazer. É estranho, mas também reconfortante, voltar a prestar atenção ao meu corpo e à minha respiração. Porque quando faço isso, acabo me conectando à minha alma. Tudo ganha mais sentido. Sinto, então, que pelo menos durante uma parte do meu dia estou, de fato, cuidando de mim, e aproveitando o tempo como deveria.

O tempo. O santo tempo. Tempo nosso de cada dia, dai-nos sabedoria de saber lhe aproveitar. Que onde houver pressa insana, eu leve calma. Que onde houver taquicardia e tensão causada pela ansiedade, eu leve alongamento, respiração pausada e consciência de que a minha aflição não ajuda em nada, só piora. Que onde houver a vontade de que você passe logo, eu me lembre que você é um sopro, e que devo valorizar cada segundo seu. Amém.

 

Fabrícia Hamu

Jornalista

http://vidadeadulto.com.br

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